Si sobrevives a esto

Por Georg Kasch

Traducción al español por Margarita Borja

Heidelberg, 4 de febrero de 2024. ¿Es que todavía existen tabús en la tan progre Europa del 2024? ¡Por favor! Publicada hace casi cien años, la temprana obra “Historia del ojo” del francés Georges Bataille, que describe orgías sexuales bañadas en sudor, sangre, orina y esperma, y donde el deseo reemplaza a la razón, se lee con un par de inhalaciones profundas, y ya. O cuando sobre el escenario se derraman sangre y esperma artificiales, y orina natural (su olor llega hasta el público en las primeras filas), cuando las personas en escena se insertan objetos en sus cavidades o se ponen ganchos bajo la piel para colgarse del techo, incluso entonces no nos escandalizamos. Parpadeamos, a lo sumo, entre la defensa y la curiosidad conscientes de que estamos experimentando una situación excepcional. 

Se sobreviveres a isso

por Georg Kasch

Tradução de Alex Farias Gomes

Heidelberg, 4 de fevereiro de 2024. Existem ainda tabus na tão progressiva Europa de 2024? Por favor! Publicada há quase cem anos, a primeira obra "História do Olho", do francês Georges Bataille, que descreve orgias sexuais banhadas em suor, sangue, urina e esperma, e onde o desejo substitui a razão, pode ser lida com um par de respirações profundas, e é tudo. Ou quando sangue e esperma artificiais e urina natural são derramados no palco (cujo cheiro chega ao público nas primeiras filas), quando as pessoas no palco introduzem objetos nas suas cavidades e orifícios ou colocam ganchos debaixo da pele para se pendurarem no teto, mesmo assim não ficamos chocados. Quando muito, oscilamos entre o constrangimento e a curiosidade, conscientes de que estamos experienciando uma situação excepcional.

El relato de Bataille, publicado en 1928 bajo seudónimo, narra el deseo sexual de tres jóvenes unidos por la lujuria, el delirio, la transgresión de los límites y la muerte. El escritor y filósofo francés explora la cuestión de por qué las cosas que más miedo nos infunden son a menudo las que más nos excitan. Para ello recurre al narrador y a su novia Simone, quienes parecen no conocer la vergüenza (y si la conocen, es sólo porque la vergüenza también les excita), y tampoco tienen ningún problema en involucrar en sus juegos a una amiga y, tras la muerte de ésta, a un mecenas inglés.

Pero no solo una lecture performance 

Janaina Leite y su agrupación (grande: veinte personas en total) hacen de Bataille un juego. La obra “Historia del ojo. Un cuento de hadas Porno-Noir” reúne a personas que hablan sobre su relación sobre la pornografía. Tienen experiencia haciendo vídeos para portales en internet, un par han trabajado para estudios famosos. A todos los caracteriza una cosa, ninguno pasaría por miembro de la “buena sociedad” con sus tatuajes, su ambigüedad sexual, sus cuerpas queer y su cómoda y abierta relación con su propio deseo. 

Mientras uno a una van hablando sobre sus vidas y compartiendo con el público sus partes favoritas del libro de Bataille, el resto encarna los motivos del texto. Y lo hacen de manera ilustrativa, como cuando desatan sobre las tablas una orgía de placer y violencia, o asociativamente, como cuando una performerin invita al público a jugar verdad o desafío y una espectadora termina por bajar al escenario a darle de nalgadas. Pero el clímax de sensualidad de la velada llega cuando los riffs de la guitarra eléctrica se crispan, los barriles de metal se convierten en tambores y el público recrea la atmósfera de una plaza de toros agitando en el aire hojas de papel. Es entonces cuando “Historia del ojo” termina por liberarse de ese aire a lecture performance con el que arranca. 

Voyeurismo entre cómplices

Sólo cuando el límite entre público y escenario se empieza a disolver, cuando los espectadores responden entusiastas a la invitación a bajar al escenario a beber cachaça con los performers, cuando nos invitan a participar, a tocar, orinar e incluso a hacerle fisting a una de las performers, recién entonces caemos en cuenta que aquella distancia que nos separaba del escenario nos había convertido en voyeuristas. Y ahora de repente nos invitan a acercarnos y ser parte de un juego en el que por cierto no nos sentimos obligados a participar (hay suficientes espectadores dispuestos a entrarle al juego).

A fin de cuentas, aquí no se trata de identificar qué extremos ya hemos experimentado en otras obras teatrales (con Vegard Vinge o Ida Müller, Signa, Florentina Holzinger) o de analizar el origen de este tipo de teatro (en Teatro Oficina de São Paulo, en cuyas fiestas dionisíacas todo es posible). Uno se lleva consigo impresiones que van más allá del olor a orina o las penetraciones. 

Lo que queda es una sensación, un recuerdo de haber formado parte de una comunidad que se entregó a una exploración entre el deseo y la repugnancia. Una comunidad que explora lugares que la sociedad ha empujado a los márgenes y que los trae de vuelta al centro para habitarlos desde el reconocimiento y el afecto. Solo así se sobreviven las tres horas que dura esta obra. Al final queda la añoranza, no de la vulgaridad y el extremo sino de volver a sentirse vinculado, sentirse parte de una comunidad capaz de explorar todo tabú, una comunidad que quizá por ello logrará sobrevivir a los enormes desafíos del mundo actual. 

Historia del ojo - un cuento de hadas Porno-Noir
Janaina Leite

Estreno europeo

Concepción, dirección, dramaturgia y performance: Janaina Leite / Dramaturgia y asistencia de dirección: Lara Duarte y André Medeiros Martins / Performers: André Medeiros Martins, Armr’Ore Erormray, Carô Calsone, Cusko, Ian Figlioulo, Georgia Vitrilis, Isabel Soares, Lucas Scudellari, Ultra Martini, Vinithekid y Tadzio Veiga / Composiciones originales e interpretación: A. M. Martins, U. Martini y Vinithekid / Iluminación: Wagner Antônio / Vestuario: Melina Schleder / Preparación corpo­ral: L. Duarte / Arreglos y sonido: Renato Navarro / Producción musical: Mateus Capelo
Duración: 120 min

O conto de Bataille, publicado em 1928 sob um pseudónimo, narra o desejo sexual de três jovens unidos pela luxúria, pelo delírio, pela transgressão dos limites e pela morte. O escritor e filósofo se interessava pelo limiar entre aquilo que nos assusta enquanto nos fascina, ou melhor, nos excita. Para tal, recorre ao narrador e à sua namorada Simone, que parecem não ter vergonha (e se a têm, é apenas porque a vergonha também os excita), e que também não têm problemas em envolver nos seus jogos uma amiga e, após a morte desta, um mecenas inglês.

Não se trata apenas de uma lecture perfomance

Janaina Leite e o seu numeroso grupo (vinte pessoas no total) criam um jogo a partir de Bataille. A peça "História do olho. Um conto de fadas pornográfico" reúne pessoas que falam sobre sua relação com a pornografia. Têm experiência na realização de vídeos para portais da Internet, alguns deles trabalharam para estúdios famosos. Todos eles se caracterizam por um aspecto: nenhum deles passaria por um membro da "boa sociedade", com suas tatuagens, a sua ambiguidade sexual, os seus corpos queer e a sua relação confortável e aberta com o seu próprio desejo.

Enquanto, um a um, falam das suas vidas e partilham com o público as suas partes preferidas do livro de Bataille, os restantes encarnam os motivos do texto. E fazem-no de forma ilustrativa, como quando desencadeiam uma orgia de prazer e violência em palco, ou de forma associativa, como quando uma performer convida o público a jogar “verdade ou consequência” e um espectador sobe ao palco para lhe dar umas palmadas. Mas o clímax sensual da noite acontece quando os riffs da guitarra elétrica estalam, os barris de metal se transformam em tambores e o público recria o ambiente de uma praça de touros agitando folhas de papel no ar. É então que "Historia do Olho" se liberta finalmente do ar de palestra em que inicia.

Voyeurismo entre cúmplices

Só quando a fronteira entre a platéia e o palco começa a se dissolver, quando os espectadores respondem com entusiasmo ao convite para subir ao palco e tomar cachaça com os artistas, quando somos convidados a participar, a tocar, a urinar e até a dar um soco em um dos artistas, só então percebemos que a distância que nos separava do palco nos transformou em voyeurs. E agora, de repente, somos convidados a aproximarmo-nos e a fazer parte de um jogo em que certamente não nos sentimos obrigados a participar (há espectadores suficientes dispostos a entrar no jogo).

Não se trata aqui de identificar quais os extremos que já experimentamos em outras peças (como Vegard Vinge ou Ida Müller, Signa, Florentina Holzinger) ou de analisar as origens deste tipo de teatro (no Teatro Oficina em São Paulo, onde tudo é possível nas festas dionisíacas guiadas pelo fundamento estético da “tragicomediorgia”).

O que fica é a sensação, muito além do odor de urina ou das penetrações, de ter feito parte de uma comunidade que se entrega a uma exploração entre o desejo e o nojo. Uma comunidade que explora lugares que a sociedade empurrou para as margens e os traz de volta ao centro para os habitar com reconhecimento e afeto. Essa forte sensação de partilha é a única forma de sobreviver às três horas de duração desta peça. No final, fica a saudade, não da vulgaridade nem do extremo, mas de se sentir novamente ligado, de se sentir parte de uma comunidade capaz de explorar todos os tabus, uma comunidade que talvez por isso consiga sobreviver aos enormes desafios do mundo atual.

História do olho - um conto de fadas Porno-Noir Janaina Leite/strong>
Janaina Leite

Estreia europeiabr />
Concepção, direção, dramaturgia e interpretação: Janaina Leite / Dramaturgia e direção adjunta: Lara Duarte e André Medeiros Martins / Performers: André Medeiros Martins, Armr'Ore Erormray, Carô Calsone, Cusko, Ian Figlioulo, Georgia Vitrilis, Isabel Soares, Lucas Scudellari, Ultra Martini, Vinithekid e Tadzio Veiga / Composições originais e performance: A. M. Martins, U. Martini e Vinithekid / Iluminação: Wagner Antônio / Figurinos: Melina Schleder / Preparação corporal: L. Duarte / Arranjos e sonorização: Renato Navarro / Produção musical: Mateus Capelo
Duração: 120 min